Há empresas que – assoladas pela crise decorrente do “lockdown” que suspendeu suas atividades – se veem na iminência de demitir seus colaboradores, objetivando a preservação mínima de suas operações. Ocorre que a demissão impõe ao empresário o ônus de pagamento das verbas rescisórias, criando-se uma situação intransponível quando não há caixa para tanto.
Trazemos aqui uma previsão legal da CLT que poderá, dependendo da interpretação futura dos tribunais trabalhistas acerca deste espinhoso tema, ser evocada como eventual proteção e defesa das empresas que vivenciarem esta situação de exceção.
Diz o artigo 486 da CLT (de forma bastante clara):
Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.
A jurisprudência relativamente a uma situação como a presente (caos econômico decorrente da total paralisação da economia do país, por normas expedidas por estados, municípios e União) obviamente ainda não existe. Mas o TST tem aplicado a regra da transferir o ônus do pagamento das indenizações aos entes públicos no caso de desapropriação de imóveis rurais, entendendo que o custo das indenizações da operação empresarial (rural ou não) que havia sobre o imóvel desapropriado seria ônus do ente público desapropriante, a teor do prescrito no art. 486 da CLT.
A teoria do “fato do príncipe” funda-se na premissa de que a administração pública não pode causar danos ou prejuízos aos seus administrados, ainda que em benefício da coletividade. Neste modo, sendo inevitáveis os prejuízos, surge a obrigação de indenizar.
Vejam a posição da jurisprudência acerca do tema:
1) No TST - Tribunal Superior do Trabalho:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI N . º13.015/2014. DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL RURAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. FACTUM PRINCIPIS. CARACTERIZAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 486 DA CLT. No caso vertente, de acordo com o quadro fático delineado pela decisão regional, a rescisão do contrato de trabalho dos reclamantes deu-se por meio de ato da Administração Pública (desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária), bem como que os proprietários do imóvel não concorreram para a desapropriação do imóvel e não tiveram como evitá-la. Esta Corte, em casos análogos, tem admitido a responsabilidade indenizatória do ente estatal com fulcro no art. 486 da CLT, quando restou comprovado que empregador não concorreu, direta ou indiretamente, para o encerramento das atividades empresariais. Nessa linha, descabe falar em violação 486 da CLT, tendo em vista a conclusão do acórdão regional de que o empregador não concorreu para a desapropriação do imóvel, razão pela qual restou caracterizada a hipótese de factum principis prevista no dispositivo legal referenciado. Precedentes . Agravo de instrumento a que se nega provimento" (AIRR-1764-44.2013.5.03.0038, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 29/09/2017).
"RECURSO DE REVISTA. FACTUM PRINCIPIS CONFIGURADO. Da leitura do acórdão regional não se extrai que o empregador tenha concorrido para a desapropriação de sua propriedade rural, razão pela qual a hipótese é de factum principis tal como prevista no art. 486 da CLT, ficando o pagamento da indenização devida aos empregados a cargo do poder público, no caso, a autarquia federal (INCRA) promotora da desapropriação. Recurso de Revista de que não se conhece" (RR-631067-63.2000.5.06.5555, 5ª Turma, Relator Ministro João Batista Brito Pereira, DEJT 17/02/2006).
2) No TRT - Tribunal Regional do Trabalho da 4a. Região
Acórdão: 0020693-45.2017.5.04.0851 (ROT)
Redator: FRANCISCO ROSSAL DE ARAUJO
Órgão julgador: 8ª Turma
Data: 30/08/2019
Consoante ensinamento de Délio Maranhão em obra conjunta com Arnaldo Süssekind Segadas Vianna e Lima Teixeira factum principis trata-se de uma espécie do gênero força maior: "assim para que o fato do príncipe transfira a obrigação de indenizar para o governo do qual emanou necessário se torna reúna os mesmos requisitos da força maior isto é seja um fato inevitável para o qual não haja concorrido o empregador e que torne absolutamente impossível a continuação do contrato. A culpa do empregador ainda que indireta (art. 501 da Consolidação) impede a aplicação do art. 486 como também o fato de a ordem ou medida governamental tornar apenas mais onerosa ou difícil a execução do contrato. Não havendo impossibilidade absoluta de execução não há força maior de que o fato do príncipe - repita-se - é uma manifestação especial" (MARANHÃO Délio. Instituições de Direito do Trabalho vol. 1. 21. ed. São Paulo: LTr 2003 pp. 615).
Com efeito, não se poderia – segundo os que defendem a aplicação desta regra - admitir que o empregador seja penalizado com o pagamento das verbas rescisórias na hipótese de necessidade de demissão por decorrência da paralização de suas atividades por ordem estatal , mesmo em caso se entender justificada a medida para a preservação do interesse público.
Com certeza em breve os tribunais trabalhistas deverão se debruçar sobre litígios que envolverão esta teoria como instrumento de defesa dos empresários, objetivando elidir o ônus das empresas quanto ao pagamento das verbas rescisórias em caso de demissão nestas hipóteses.
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