A Constituição Federal determina que as contratações feitas pela Administração Pública, via de regra, devem ser precedidas de um procedimento licitatório. Porém, em algumas hipóteses a jurisprudência compreendeu que a realização de um procedimento licitatório poderia ser prejudicial ao interesse púbico, em razão da singularidade da contratação pela existência de múltiplos prestadores de serviços.
Frequentemente identifica-se esta situação nas contratações da área da saúde, em especial quanto às consultas médicas especializadas e exames laboratoriais.
É possível a utilização de credenciamento – hipótese de inviabilidade de competição não relacionada expressamente no art. 25 da Lei 8.666/1993 – para contratar prestação de serviços privados de saúde no âmbito do SUS, que tem como peculiaridades preço pré-fixado, diversidade de procedimentos e demanda superior à capacidade de oferta pelo Poder Público, quando há o interesse da Administração em contratar todos os prestadores de serviços que atendam aos requisitos do edital de chamamento. (Acórdão 784/2018-Plenário, Data da sessão: 11/04/2018, Relator Min. Marcos Bemquerer)
Via de regra, não estamos falando de hipótese de contratação direta em razão de inexigibilidade propriamente dita – ainda que parte da doutrina a interprete desta forma. Isto porque, ao fim e ao cabo, o formato é utilizado justamente por não ser possível selecionar um único prestador a partir de critérios objetivos. Assim, explica-se:
Caracteriza-se pelo fato de a administração dispor-se a contratar todos os que tiverem interesse e que satisfaçam as condições por ela estabelecidas, não havendo, portanto, competição excludente entre os interessados
Por isso, é utilizado como instrumento prévio à contratação, para seleção dos profissionais; que ocorre através da publicação do Edital de Chamamento Público, cujo objetivo é credenciar os interessados em prestar o serviço necessário à Administração
Este método não é uma modalidade licitatória.
Veja-se que este procedimento se presta apenas para seleção daqueles que tem interesse em contratar com a Administração, não é uma contratação. Até porque o Chamamento Público para Credenciamento não é modalidade licitatória e não está previsto na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
Observa-se que, tanto a ideia de Chamamento Público, como a de Credenciamento não estão regulamentadas em nenhuma normativa. Acredita-se que a seleção surgiu quando da implantação da saúde pública no Brasil, como meio para efetivação da saúde, nos termos do art. 196 e 197 da Constituição Federal.
Assim ensina a doutrina administrativista:
O credenciamento consiste em contrato pelo qual a administração pública confere a um particular, pessoa física ou jurídica, a prerrogativa de exercer certas atividades materiais ou técnicas, em caráter instrumental ou de colaboração com o poder público, a título oneroso.
De acordo com o Tribunal de Contas da União, o credenciamento é hipótese de inviabilidade de competição decorrente da possibilidade de a Administração contratar empresas ou profissionais de um determinado setor em igualdade de condições, observados os requisitos de qualificação.
O credenciamento é indicado quando houver um número ilimitado de potenciais contratados ou quando a escolha do particular a ser contratado não incumbir à própria Administração. Por estas condições comumente é utilizado para fins de credenciamento de médicos habilitados ou aquisição de alimentos da agricultura familiar.
É vedado utilizar o credenciamento para seleção de um único prestador que tenha melhores condições de atender o objeto, isso é licitação.
Marçal Justen Filho , sobre as “Hipóteses de Credenciamento”, explica:
Outra hipótese comum é a da prestação de serviços de saúde. Nessa área, é usual a Administração praticar modalidades de estipulação em favor de terceiros (...) A Administração realizará o pagamento pelos serviços, em valores e condições previamente estabelecidos. Nesses casos, não tem cabimento uma licitação. Caberá à Administração estabelecer as condições de execução dos serviços e as demais cláusulas a serem observadas. Todo o profissional que preencher os requisitos mínimos fixados pela Administração poderá requerer seu credenciamento, o que significará sua admissão a um cadastro que ficará à disposição dos beneficiários. Escolhido um certo profissional pelo próprio beneficiário, recorrerá ele a seus serviços e a Administração oportunamente pagará ao médico o valor predeterminado.
Como se pode perceber, os interessados passam a integrar um cadastro de credenciados e o usuário (cidadão) é que irá – em respeito a ideia de afinidade entre médico e paciente, por exemplo - escolher onde buscará o serviço de que necessita, segundo a sua confiança, a proximidade com sua residência, suas disponibilidades de tempo etc.
Ressalta-se que, o credenciamento, por chamamento público, somente é possível quando demonstrada a inviabilidade de competição, pois, o interesse da administração é a obtenção dos serviços pelo maior número de profissionais habilitados de acordo com os requisitos mínimos (habilitação médica, por exemplo).
Assim, a fim de atender as necessidades da área da saúde exemplificada, abre-se um Edital de Chamamento Público em que restarão fixados os requisitos mínimos para prestação dos serviços:
a) o objeto, indicando as especialidades médicas ou serviços laboratoriais;
b) as condições de habilitação, tanto para pessoa jurídica quanto para física;
c) forma de execução dos serviços; e d) valores a serem pagos pelo serviço.
Isso não quer dizer que todos os credenciados serão contratados!
Preenchidas as exigências do credenciamento (tal qual o procedimento de habilitação em uma licitação), o interessado celebrará um termo de disponibilidade de serviço - que não possui natureza contratual, e não obriga a Administração Pública a contratar, sendo pagos apenas os serviços prestados e devidamente comprovados. Há, tão-somente, expectativa de o credenciado vir a prestar o serviço.
Após a seleção dos prestadores e da celebração do termo de credenciamento resultará o processo de inexigibilidade que irá embasar a contratação, nos termos do art. 25, caput, da Lei de Licitações.
A inviabilidade de competição ocorre em razão da fixação de um preço único para todos que prestarem os serviços que a Administração necessita. Na área da saúde, quanto aos valores para a contratação, sugere-se que a remuneração use o padrão de cada classe, utilizando preferencialmente média obtida em pesquisa de mercado ou através da Tabela SUS.
Esta não é a mesma lógica aplicada a agricultura familiar, onde restou estabelecido o credenciamento para fins de fomento ao trabalho dos pequenos produtores - conforme Lei nº 11.326/2006 - com sua inclusão na cadeia produtiva, tem sido editadas normas visando a aquisição de gêneros alimentícios produzidas por estas, pela Administração Pública.
Para além da saúde e da agricultura familiar, outras atividades podem ser credenciadas, desde que presentes os elementos justificadores para tanto. Veja-se, por exemplo, que o TJ/RS já admitiu a utilização do credenciamento para a prestação de serviços de advocacia, quando o objeto for singelo, como a cobrança de créditos.
Em síntese, o sistema de credenciamento segue as seguintes regras:
a) somente deve ser empregado quando for conveniente ao interesse público a multiplicidade de prestadores de serviços, para o favorecimento ao cidadão usuário do serviço pela múltipla escolha;
b) uma vez instituído o credenciamento, este deve permanecer sempre receptivo a novos credenciados;
c) os serviços não poderão ser prestados nas dependências do órgão ou entidade credenciadora;
d) o preço do serviço deve ser igual para uma mesma especialidade;
e) o credenciado, além das condições de habilitação profissional, deverá atender aos requisitos relativos à regularidade jurídica e fiscal previstos na Lei de Licitações;
f) o termo de credenciamento poderá ser celebrado por até sessenta meses, como preconizado na Lei de Licitações, art. 57, II;
g) esses elementos deverão instruir um processo de inexigibilidade de licitação, com fundamento no art. 25, caput, da Lei nº 8.666, de 1993.
Por fim, assevera-se que a doutrina compreende que o período do credenciamento não pode ter data de encerramento específica, devendo manter-se aberto, para que a qualquer tempo o particular interessado apresente a documentação, enquanto a Administração mantiver interesse na contratação.
Marçal Justen Filho ensina:
A dissociação entra habilitação e licitação cria (dentre outros) o risco de desatualização (obsolescência). Pode ocorrer alteração da situação das empresas cadastradas. Por isso, exige-se que se proceda à atualização cadastral uma vez por ano, no mínimo. Descumprida a exigência, o registro perde a validade e torna-se imprestável.
Destarte, a inexistência de regramento específico não significa que o procedimento está livre da observância dos requisitos dos contratos públicos, como os princípios que norteiam o procedimento licitatório.
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