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No mercado de capitais brasileiro, o jurídico consultivo desempenha uma função estratégica como intermediário entre empresas – especialmente companhias abertas, startups, fundos de investimento e fintechs – e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O jurídico consultivo assegura que essas organizações cumpram rigorosamente as normas do regulador, adotem boas práticas de governança e compliance e mantenham uma comunicação eficiente e ética com a Autarquia.
O objetivo do artigo é analisar as principais atribuições do jurídico consultivo no relacionamento com a CVM, abordando temas como conformidade regulatória e compliance, o papel na governança corporativa e em ofertas públicas, a contribuição para integridade corporativa e ESG, bem como a interação consultiva com áreas técnicas da CVM.
Atribuições do jurídico consultivo no relacionamento com a CVM
O jurídico consultivo orienta a empresa quanto às obrigações impostas pela legislação e pelos regulamentos da CVM. Esse papel consultivo envolve diversas funções-chave:
- Interpretação e acompanhamento de normas: O jurídico consultivo monitora as instruções e resoluções da CVM, interpretando-as e orientando administradores e executivos sobre como aplicá-las no dia a dia corporativo. Por exemplo, ao assessorar uma companhia aberta, ele mantém a diretoria informada sobre atualizações regulatórias (como novas resoluções da CVM) e sobre ofícios circulares expedidos pela Autarquia com esclarecimentos aos participantes do mercado. Essas comunicações técnicas servem para guiar os regulados a exercerem suas funções em conformidade com as regras vigente, cabendo ao jurídico consultivo incorporar tais orientações às práticas internas da empresa.
- Preparação de documentos e registros: É função do jurídico consultivo assegurar a correta elaboração e entrega de toda documentação exigida pela CVM, evitando inconsistências que possam atrasar aprovações ou expor a empresa a penalidades. Em processos como o registro inicial de companhias abertas, por exemplo, a CVM já observou problemas frequentes no envio de formulários e demonstrações por participantes do mercado – como informações financeiras referentes a períodos incorretos ou traduções livres de documentos societários estrangeiros, em vez de versões juramentadas – os quais levam a exigências e retardam a concessão do registro. Esses equívocos podem ser evitados com a devida revisão prévia dos documentos, seguindo todas as exigências claras na regulamentação e seus respectivos anexos.
- Representação e comunicação com o regulador: O jurídico consultivo frequentemente representa a empresa perante a CVM, seja ao responder a ofícios e solicitações de esclarecimento da Autarquia, seja ao conduzir consultas formais sobre interpretações de normas. Essa interlocução requer conhecimento técnico e diálogo proativo com as áreas especializadas da CVM. O jurídico consultivo prepara as manifestações da empresa com fundamentação jurídica e clareza, de modo a fornecer à CVM as informações necessárias e demonstrar a boa-fé e transparência da companhia. Muitas vezes, antes de operações complexas ou inovadoras, é ele quem formula questionamentos formais à CVM buscando validar o entendimento regulatório – prática que confere segurança jurídica às decisões empresariais.
“o jurídico consultivo funciona como um facilitador de diálogo entre as empresas e o regulador, assegurando que as exigências legais sejam compreendidas e implementadas corretamente, e que a empresa tenha voz técnica qualificada junto à CVM.”
Conformidade regulatória e compliance: da PLD à Lei Anticorrupção
A conformidade regulatória é um dos pilares da atuação consultiva do jurídico consultivo no ambiente empresarial, englobando desde a prevenção à lavagem de dinheiro (PLD) até o alinhamento com a Lei Anticorrupção e outras normas de integridade corporativa.
Em empresas reguladas pela CVM, o jurídico consultivo desempenha papel fundamental na estruturação e monitoramento de programas de compliance, visando garantir que a empresa atue dentro dos parâmetros legais e éticos exigidos.
No mercado de capitais, a CVM impõe obrigações específicas de compliance, notadamente em prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo (PLD/FT).
A Resolução CVM 50 trouxe aprimoramentos significativos nesses processos, adotando uma abordagem baseada em risco mais moderna e eficaz. A revogada Instrução 617 instituiu a Abordagem Baseada em Risco como eixo central da gestão de PLD/FT, em alinhamento com padrões internacionais.
Isso significa que instituições financeiras e demais participantes regulados pela CVM devem identificar, analisar e classificar os riscos de lavagem de dinheiro associados aos seus clientes, produtos, serviços e canais de distribuição, segmentando-os ao menos em níveis baixo, médio e alto.
Outro avanço foi o reforço na política Conheça seu Cliente (KYC): além de identificar e coletar os dados cadastrais do cliente, passaram a ser exigidas diligências contínuas para obter informações adicionais e, em especial, identificar o beneficiário final de cada operação.
Cabe ao jurídico consultivo assegurar que a empresa (ou seus clientes) adote essas práticas, elaborando manuais internos, treinando equipes e verificando periodicamente a aderência às regras definidas pelos reguladores.
Lei Anticorrupção - Lei n.º 12.846/2013
Publicada em 2013, a Lei Anticorrupção inaugurou no Brasil a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a administração pública, nacional ou estrangeiraoab.org.br.
Mais do que punir, seu objetivo foi estimular uma mudança de comportamento nas organizações, promovendo a autorregularão e a prevenção de ilícitos.
Após uma década de vigência da lei, grande parte do setor privado passou a implementar códigos de conduta, canais de denúncia e outras medidas de integridade, criando mecanismos internos capazes de detectar e remediar atos de corrupção antes que se tornem sistêmicos.
“Estar em conformidade com o arcabouço legal e normativo e observar as boas práticas certamente proporciona benefícios palpáveis às empresas, como a preservação da integridade institucional e a proteção contra possíveis descumprimentos das normas vigentes, além do aumento de credibilidade junto a investidores, parceiros e órgãos públicos.”
Programa de Compliance
O jurídico consultivo tem participação central na estruturação de programas de compliance e integridade, que se trata de um conjunto de práticas e disciplinas que proporcionam o cumprimento das normas legais e regulamentares, das políticas internas e diretrizes estabelecidas para uma empresa ou órgão, permitindo também a detecção e o tratamento de eventuais desconformidades.
Na prática, a contribuição do jurídico consultivo em compliance inclui elaborar um código de conduta e políticas internas essenciais (anticorrupção, conflitos de interesse etc.), implementar um canal de denúncias eficaz, promover treinamentos periódicos a colaboradores, realizar due diligence em terceiros e monitorar continuamente as práticas.
Todas essas iniciativas visam consolidar uma cultura organizacional ética e transparente, diminuindo o risco de multas, escândalos e danos reputacionais.
Governança corporativa
Outra esfera de atuação consultiva do jurídico consultivo reside na governança corporativa e nas obrigações de divulgação de informações pelas companhias abertas, bem como na condução de ofertas públicas de valores mobiliários.
Nesses âmbitos, o jurídico consultivo assegura que a empresa siga os melhores padrões de mercado e cumpra rigorosamente as normas da CVM.
Em termos de governança corporativa, a CVM incentiva práticas como conselhos de administração independentes, controles internos robustos e transparência nas decisões.
Desde 2017, por exemplo, tornou-se obrigatório o Informe de Governança Corporativa anual no modelo de “pratique ou explique”, pelo qual as companhias abertas devem indicar se aderem às recomendações do Código Brasileiro de Governança Corporativa ou explicar por que não aderem.
Integridade corporativa, código de conduta, canais de denúncia e práticas ESG
Nos últimos anos, ganhou destaque no mundo empresarial a implementação de estruturas de integridade corporativa, frequentemente associadas à sigla ESG (Environmental, Social and Governance)
Nesse contexto, o jurídico consultivo tem sido peça-chave na criação e manutenção de códigos de conduta, políticas internas diversas, canais de integridade (canais de denúncia/ouvidoria) e na orientação quanto a iniciativas de sustentabilidade empresarial.
Um programa de integridade efetivo envolve estabelecer valores e normas internas claras – geralmente consolidados em um Código de Ética ou de Conduta – bem como mecanismos para garantir sua aplicação.
O jurídico consultivo contribui elaborando esse código em alinhamento com as melhores práticas e exigências legais do setor de atuação, além de estruturar políticas internas complementares (anticorrupção, gestão de riscos, transações com partes relacionadas, por exemplo) conforme a natureza do negócio.
Além disso, o jurídico consultivo auxilia a implementar um canal de denúncias confiável, independente, imparcial e sigiloso, definindo procedimentos para a apuração das denúncias e proteção dos denunciantes, e garantindo que haja tratamento adequado das informações reportadas.
A existência de um canal efetivo – com anonimato assegurado e encaminhamento adequado dos relatos – encoraja funcionários e terceiros a comunicarem desvios éticos, o que fortalece a cultura de integridade dentro da organização.
Interação consultiva com áreas técnicas da CVM
Jurídico consultivos interagem rotineiramente com as áreas técnicas da CVM de forma preventiva e consultiva, buscando esclarecer dúvidas e alinhar interpretações antes que eventuais problemas surjam.
A CVM, por sua vez, utiliza instrumentos formais de orientação, com destaque para os Ofícios Circulares emitidos por suas superintendências técnicas. Esses ofícios reúnem esclarecimentos e diretrizes para que os participantes do mercado exerçam suas atividades em conformidade com as normas.
Outra via de interlocução é a consulta formal. Quando há questões inéditas ou interpretações duvidosas sobre a aplicação das normas da CVM, o jurídico consultivo pode encaminhar uma consulta formal à Autarquia, expondo o caso e solicitando um posicionamento oficial.
As respostas da CVM – seja por meio de ofícios de resposta ou até de decisões do Colegiado que geram Pareceres de Orientação – servem como referência para todo o mercado naquele assunto.
Ao elaborar consultas precisas e estudar as soluções indicadas pela CVM, o jurídico consultivo consegue antecipar-se a conflitos, ajustando procedimentos internos da empresa conforme o entendimento regulatório vigente e, assim, evitando infrações por interpretação equivocada.
“Em um mercado amplamente regulado e cada vez mais exigente em termos de transparência, a assessoria jurídica especializada tornou-se um diferencial competitivo para as empresas.”
O jurídico consultivo, com sua capacitação técnica em regulação da CVM e seu compromisso ético, agrega valor não apenas evitando penalidades, mas também contribuindo para que a empresa alcance os mais altos padrões de conformidade e governança.
Isso se traduz em maior confiança dos stakeholders e, consequentemente, em melhores oportunidades de crescimento e investimento para as organizações assessoradas. Em vista disso, investir em uma interlocução profissional e qualificada com o regulador – por meio de jurídico consultivos experientes – é, em última análise, investir no sucesso e na perenidade dos negócios no mercado de capitais.
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